Ensinar história

Maria Belintane | 23 abr 2020

Ensinar história

A História estuda as ações e experiências humanas que ocorreram em diferentes espaços e tempos, realizadas e transformadas por pessoas que viveram o cotidiano da sua sociedade. “O estudo da História é fundamental para perceber o movimento e a diversidade, possibilitando comparações entre grupos e sociedades nos diversos tempos e espaços”. Por isso temos que realizar um esforço em renovar as práticas pedagógicas no sentido de trazer para a sala de aula a história viva, próxima dos nossos sentimentos, do contexto em que vivemos. E, assim, historiar. (FONSECA, 2009, p.51).

Como historiar?

Há um desafio a ser enfrentado para que o fazer histórico se transforme em fazer pedagógico, que se traduz em ter o aluno como sujeito na construção dialética do conhecimento histórico. Para que isso ocorra, é importante que o aluno aprenda a investigar as marcas do passado e presente à sua volta. O saber fazer do professor influencia na qualidade das atividades propostas e no desenvolvimento dos alunos.

Compreender como ocorre a construção da noção de tempo pela criança, auxilia o professor no procedimento das aulas e na qualidade da intervenção pedagógica e elaboração das atividades para os alunos.

Sugerimos o estudo dos cinco eixos articuladores do ensino de História, tempo, memória, identidade, documento e representações.  Para esse trabalho iremos destacar o tempo.

O tempo e as mudanças

A construção do sentido de historicidade, implica na compreensão do sujeito psicológico que precisa ter possibilidades de ação para reconhecer que os acontecimentos externos não giram em torno unicamente de sua vivência individual e coletiva”. (SIMAN, 2003, p.131).

Compreender como se mede o tempo pressupõe a aquisição de conceitos específicos e a interação social que qualquer ser humano, paulatinamente, experiencia ao longo de sua vida. Essa aquisição não é tranquila, pois existe relatividade de sua concepção.

Observa-se que o interesse e compreensão da criança pelo passado não advém de sua capacidade de discernir a medição do tempo. A criança percebe o tempo a partir de suas experiências: a rotina diária, a data do aniversário, as festas, as férias, o tempo meteorológico, dentre outras. (COOPER, 2002).

Isso demonstra que as experiências com o tempo não são iguais e que os conceitos de tempo são subjetivos e culturais. Toda experiência que envolve a língua nativa, como oportunidades em ouvir pessoas, histórias sobre outras épocas, contribuem para que a criança relacione os fatos de suas próprias vidas com o passado não vivido por ela. Outro fator que contribui para a consciência temporal é o convívio familiar onde se entrelaçam experiências de várias gerações.

Os móveis, os objetos e outras marcas de lembranças têm características físicas e afetivas a serem observadas e relatadas por pessoas que, com eles, viveram suas histórias. O sentido do passado é construído nesse espaço, aqueles que viveram sempre num mesmo lugar lembram-se melhor de acontecimentos, do que aqueles que se mudaram ao longo de suas vidas. No entanto, não são todas as crianças que estão rodeadas por marcas físicas do passado e que também constituem parte de seu presente, por isso, a importância do resgate das memórias, da investigação do meio e, nesse processo, a escola tem um papel ímpar e insubstituível. (COOPER, 2002).

Causalidade e as mudanças temporais

A partir dos 3 anos, as crianças manifestam interesse sobre o motivo pelo qual ocorrem as coisas e apresentam suas interpretações a respeito do mundo. Essas representações são espontâneas. O processo de assimilação do mundo exterior é único e original, se dá pela ação interna, subjetiva, cognitiva de cada ser.

A compreensão do meio social pela criança não é pura e simples reprodução do adulto, essas informações são necessárias, mas não suficientes para garantir a apropriação dos conceitos sociais, pois eles são assimilados, representados, organizados de maneira diferenciada, através da criatividade, assim, devemos nos ater às respostas e às observações espontâneas diante dos fatos e fenômenos naturais.

A proposta curricular da escola deveria se preocupar em trabalhar com o que está mais próximo de sua realidade e partir para situações mais complexas, intercalando outros tempos e espaços, gradativamente. No entanto, essa conduta pode ser contraditória, pois não é a organização curricular que dará ao aluno o sentido de mundo e sim, a capacidade de refletir e interagir com as informações que estão à sua volta, desde que a solicitação seja desafiadora e que envolva operações mentais (classificação, seriação, análise, etc.) significativas.

Semelhança e diferença, permanência e mudança, simultaneidade

A compreensão do processo histórico está associada ao desenvolvimento de noções de espaço e de tempo das capacidades cognitivas “nas quais se articulam as conquistas da memória e das capacidades de abstração e generalização, de conceituação e de organização dos conhecimentos”. Assim, a construção da noção de tempo pressupõe a organização de um conjunto de conexões. (COOPER, 2002, 35).

Por isso, estabelecer semelhanças e diferenças, permanências e mudanças, simultaneidade entre situações, histórias, objetos são favoráveis para a ampliação de vocabulário, início da distinção entre o passado e o presente de sua vida e a de sua família, as mudanças do entorno, as características dos objetos, fotografias e relatos de distintas épocas.

Os alunos aprendem a considerar as semelhanças e diferenças entre o passado e o presente, classificando ilustrações, utensílios, roupas, em conjuntos de objetos muito antigos, antigos e modernos. Assim, encontrará informações que os fará buscar critérios para classificar seus atributos. (COOPER, 2002).

Em relação ao trabalho do professor, as perguntas devem incentivar os alunos a procurarem meios para que dêem respostas coerentes ou interpretações alternativas. (COOPER, 2002).

Diante das respostas dos alunos, pode-se observar o desenvolvimento dos conhecimentos sociais e a influência que o meio exerce na formação do indivíduo. E mais, demonstram representações sobre o tempo, o velho, o novo e, como organizam as informações com coerência.

Com o tempo, os alunos crescem e aumentam seus conhecimentos, podem dedicar-se mais a descobrir o que já conhecem. Com o procedimento de fazer suposições sobre o passado, adquirem, paulatinamente, maior argumentação e imaginação histórica”. Isso pode levar à construção de um conhecimento histórico e compreensão coerente que as pessoas do passado podem ter pensado, sentido e comportado de forma distinta da nossa (COOPER, 2002).

“Uma sociedade sem história seria como uma pessoa sem memória; a tradição oral perpetua relatos do passado de um povo, as recordações populares, as crenças, os valores e os hábitos sociais compartilhados”. (COOPER, 2002, p.82).

Referências

COOPER, H. Didáctica de la historia en la educación infantil y primaria. Tradución Pablo Manzano. Madrid: Morata, 2002.263p.

FERMIANO, M.A. Belintane. Tempo, memória, representações no ensino de História: uma contribuição na formação do professor. Campinas, 2008. FE/UNICAMP.

FERMIANO, M.B.; SANTOS, A.S. Ensino de história para o fundamental 1. Teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.

FONSECA, S.G.. Fazer e ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009.

PIAGET, J. A psicologia da criança e o ensino de História (1933). In: Sobre a pedagogia – Textos inéditos. PARRAT, S.;TRYPHON A. (org.). Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

SCHIMIDT, M.A.; SCHIMIDT, D. Historiar. Fazendo, contando e narrando a História. 1. ed. São Paulo, SP: Scipione, 2001.

SIMAN, L.M.C.. A temporalidade Histórica como categoria central do pensamento histórico: desafios para o ensino e aprendizagem. In: DE ROSSI, V.L. S.; ZAMBONI, E.. Quanto tempo o tempo tem! Campinas: Alínea. 2003.